Exposição Individual
29 de janeiro de 2025 a
06 de março de 2025
Luis Maluf Galeria
Rua Peixoto Gomide, 1887
Jardins, São Paulo, SP
Natureza da Realidade
Tatiane Freitas
Tudo é movimento. Nós, sobretudo. Essa é a premissa que permeia as novas séries de Tatiane Freitas, exibidas pela primeira vez na exposição Natureza da realidade na galeria Luis Maluf. Em suas obras, o movimento não se resume à ideia de transformação ou progresso, ele abraça o desassossego contínuo que atravessa a artista e se reflete em sua prática.
Tatiane Freitas não é apenas criadora, mas também espectadora daquilo que produz, numa relação em que o olhar, que se situa do lado da obra, como demarca Lacan, interpela a artista constantemente. Assim, seus trabalhos, mesmo quando considerados concluídos, não se encerram. Reverberam, geram perguntas e abrem caminhos para outras formulações.
Essa relação com o olhar que emana da obra ressoa reflexões da artista, registradas em notas. Descrevendo sua experiência nestas séries como um ato de “sair do caber”, ela abandona o conforto do que lhe é mais familiar, se lançando em territórios inéditos. Em uma reflexão íntima, registrada também em anotações, menciona a ideia de “perder a morada” — ecoando Freud, que aponta a fragilidade do “eu” que não é mais “senhor de sua própria casa”. Esse desvelar de vertigens identitárias permeia os trabalhos apresentados, convidando o público a compartilhar dessa mesma atmosfera, na medida em que a identidade da materialidade das obras também é subvertida.
Desdobramento de trabalhos e inquietações anteriores, as obras aqui exibidas possuem a mesma origem: o acaso. Dando continuidade à sua pesquisa, centrada na construção de objetos a partir da ruína de tantos outros, referidos ao cotidiano e à casa, novas interlocuções se abrem. Velhas portas de madeiras, agora espelhadas em desenho, forneceram de súbito, numa contingência que capturou Tatiane, as primeiras imagens exploratórias para estas novas séries. Surgiam, assim, formas que remetiam às antigas klecksografias, arte de criar imagens a partir de manchas, também popularizada no século XIX como jogo infantil e depois retomada pelo famoso teste de Rorschach.
Mas se tais portas estiveram na origem das obras que compõem esta exposição, de suas formas ficaram apenas seus rastros, novas ruínas produzidas por um tempo outro, o da criação da artista. Subsistem agora enquanto potentes aberturas, fazendo surgir algo a mais e novo, a própria obra, e as diferentes possibilidades de leituras e interações com seus espectadores.
E nesta mesma passagem, mesma abertura, um diálogo com a natureza se estabelece. Diferentes estados de representações da madeira comparecem nestas séries, em um paralelismo com diferentes estados de ser e da realidade.
Formas ganham lugar em suportes de trama em fibra natural que recebem colorações em nanquim e carvão; pedaços de carvão encontram encaixes fazendo surgir esculturas; uma instalação de pequenos pedaços de papel vegetal abrigam pinturas em acrílica surgidos acidentalmente a partir de gotas de tintas e dobras; imagens de mobiliário, chão de tacos e de árvores, diferentes tempos de uma mesma materialidade, surgem do vazio cavado na estrutura de tramas quadriculadas.
Ser olhado por uma obra é algo que podemos compartilhar, que nos une em um coletivo, mas que não faz todo: somos um a um. É desta forma que os trabalhos como os quais nos relacionamos, no aqui e agora desta exposição, nos lança um olhar que atravessa cada um de forma particular, tornando única a experiência de cada sujeito com a obra.
Por fim, uma pergunta que embora não seja nova, não cessa de insistir e encontrar seu ressoar em Natureza da realidade: como a artista consegue, a partir de sua experiência singular com a linguagem, nos transmitir algo de uma realidade que não se fecha, algo tão seu, mas que se torna tão nosso e de cada um, fazendo de nós esse coletivo que talvez só a arte seja capaz de fazer existir?
Flavia Corpas
curadora