Yohannah de Oliveira
Santuários Movediços
18 de maio de 2023
a 17 de junho de 2023
Usina Luis Maluf
Brigadeiro Galvão, 996
Santuários movediços
Safe place é uma noção que remete a um lugar de acolhida, física e emocional, para um indivíduo ou um grupo de pessoas. Refúgio, reduto, ninho e santuário são alguns exemplos metafóricos de safe places.
Yohannah de Oliveira encontrou no processo de criação artística o seu templo. É onde se instaura uma condição de invenção e salvaguarda. Sem descoberta não é possível seguir refugiando-se, assim como um esconderijo precisa mudar de lugar ou uma senha ser atualizada para manter algo a salvo. Afinal, salvar é tornar perdurável, é enfrentar a ação do tempo.
De família cristã de origem congregacional, Yohannah preserva uma verve iconoclasta em suas investigações. Registra pulsações não figurativas, mesmo que por vezes lhes empreste um título que oriente um sentido. Seus procedimentos, gestuais, são marcados pelo vestígio e pela captura de impressões deixadas por materiais que estão em contato com a obra enquanto esta trabalha, ou seja, enquanto tramas reagem a pigmentos, à água e a outras substâncias, até seu processo de secagem.
Ocultamento e revelação
Yohannah parece impelida por oxímoros, e um deles consiste em ocultar revelando, isto é, encobrir, mas demarcando que algo está oculto bem ali. Em Dar as Costas, a artista envelopa e costura a superfície que foi pintada, virando-a ao avesso. A pintura se torna subcutânea: apenas nos é dado acessar o pigmento que extravasou para o verso da tela. Essa experiência se avizinha à de alguém que descobre um cofre ou uma pasta com senha no computador e que nos anuncia: “estou aqui, e meu valor só é acessado mediante um segredo”. Mas o segredo, aqui, é que o externo resguarda e ao mesmo tempo carrega consigo o valor do que foi ocultado. Por sua vez, o trabalho oposto complementar, Bater de Frente, revela a pintura ao mundo, e ao se discutir qual é a visada principal de algo, a oposição dos trabalhos prioriza a interioridade.
Outras obras também lidam com essa economia da revelação: isto é, realizam-se em um regime daquilo que se deixa ver. Mosqueteiro delineia um dentro e um fora por meio de uma matéria tênue, o tule que filtra um olhar inadvertido. No seu interior, uma vela, da mesma altura da artista, carrega consigo a ideia de revelar lentamente.
Tais procedimentos convocam discussões da fotografia, pois a exposição excessiva devassa a imagem e não capta nada; e da ordem do próprio sagrado e cuja presença podemos até sentir, mas não nos compete ver, ao menos completamente.
Arqueologias premeditadas
Imbuída em salvaguardar algo, Yohannah flerta com a ação do tempo, mas munida de subterfúgios para adiar a sua passagem. Em O que eu deixo vazar, a paleta terrosa e mineral nos instaura a percepção de algo remoto, telúrico ou arquetípico, mas ao mesmo tempo sua fatura é plena de componentes duráveis como cola, acrílica, polímeros. Não existe oposição entre natural e artifício, tudo é engenho.
Rizoma, Mar Concreto, Toque, Fêmur partem de uma espécie de sítio arqueológico previamente construído. A ação de desgaste das peças, a partir de sua composição em camadas premeditadas, traz um dado de controle sobre o que se pode encontrar, mas não impede a descoberta, a surpresa e a nuance com efeito de acúmulo de tempo.
Emoldurar o olhar
E mesmo em trabalhos que são contrários à lógica do ocultamento, Yohannah usa artifícios como emoldurar matérias-primas nem sempre consagradas, para falar do que há de sagrado ao nosso redor. Uma moldura remete ao formato “quadro”, mas também ao mais mundano que merece ser apreciado nas telas de celular. E assim como o que está dentro do frame é imagem, o que cabe numa moldura é arte.
Nesse enigma de fazer da matéria oculta a sua matéria-prima, de tornar algo visível em seu ocultamento, de algo que perdura a salvo do tempo e do olhar, é que Yohannah constrói seus santuários movediços de invenção.
Diego Mauro, curador