Acervo

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27 de março a
08 de maio de 2024

Galeria Luis Maluf
Rua Peixoto Gomide, 1.887
Jardins, São Paulo, SP

CORES E LUZES DE OUTONO

Acreditando na entrada do outono, realizamos essa exposição reunindo três artistas que têm em comum o interesse por cores e luzes: Shizue Sakamoto, Isis Gasparini e Luciana Rique. Uma pintora, Shizue, a segunda, Isis, uma artista plural que dessa vez apresenta fotografias em diálogo com a pintura, e Luciana, decididamente uma fotógrafa. Shizue já fazia parte do elenco da galeria, Isis e Luciana aproximaram-se depois da brilhante participação de ambas no programa de residência Usina Luis Maluf, realizada entre janeiro e fevereiro deste ano, encerrada com uma exposição marcante.

Dessa vez o outono, como sabemos muito bem, não deu as caras. Não importa. Para nós ele chegou trazido pelas pinturas monocromáticas de Shizue Sakamoto, os coloridos suaves, macios, a atmosfera delicada própria ao modo com que o outono verga a luminosidade do verão, rebaixando o modo duro, implacável do sol se impor, tornando-o mais recolhido, calmo. Impressiona a segurança de Shizue, sobrepondo camadas finas de tinta, deixando que a cor escolhida –amarelo, azul, vermelho, rosa etc – fique mais forte, apenas um pouco, quando avança em direção as bordas quadrangulares, procedimento que garante ao miolo das telas a aparência de volumes destampados de ar. As telas expostas são poucas -e precisa mais?- e vão se alternando ao longo da entrada, à direita e à esquerda, desacelerando o andar do visitante, convidando-o a espaçar seus passos.

Na sequência desse cortejo cromático sussurrado, quebrando o enlevo do público, Isis Gasparini chega propondo pequenos conjuntos de fotografias combinadas com placas sobrepostas de acrílicos coloridos. Um jogo entre fotografia e pintura, imagem e cor, figura e abstração. As fotografias são coladas na parede e, sobrepostas a elas, apoiadas em pequenas escápulas, em formatos variados e jamais coincidindo com as fotos, vêm plaquinhas de colorido intenso. A maior parte das fotografias da sala, não apenas essas, reproduzem imagens de museus, uma inversão do que deles se espera: espaços de exibição de obras ora exibidos, alvos da nossa curiosidade em saber mais sobre os pontos de fuga, sobre o que acontece para além dos corredores e ao final das escadas, quais são as pinturas encaixadas em molduras tão refinadas. A ironia não cessa aí: se grande parte desses museus ostentam pinturas e elas, por sua vez, são tomadas por cores, dessa vez não são cores naturais as protagonistas mas artificiais, filhas da indústria, tão falsas e iridescentes quanto as palavras maltodextrina, sacarina sódica, acessulfame de potássio, entre outros ingredientes suspeitos que compõem o inofensivo achocolatado tomado ao café da manhã.

Na terceiro e último ambiente estão as fotografias de Luciana Rique, fundadas no louvor à sombra, em busca do ponto em que a luz desperta as coisas, os objetos, os cantos de parede, como que os fazendo existir. A artista perscruta a penumbra, avalia o modo como a luz a vai ferindo discretamente, uma queda de braços para o qual estamos mais e mais desatentos. Afinal, de que serve essa iluminação cegante por toda a cidade, o rumor alto e contínuo da máquina urbana que jamais cessa e encontra seu contraponto na música ambiente excessiva de lojas, bares e restaurantes, obrigando-nos a gritar em lugar de conversar, fazendo da escuta uma impossibilidade? Luciana
vai em direção ao escuro caçando o que nele aflora junto com a luz, sob a forma de luz, e que logo desaparece, como um rumor não identificado dentro da madrugada, como uma fulguração tão rápida que ficamos na dúvida se aconteceu mesmo.

 

Das cores cálidas à sombra, passando pela aguda consciência dos recursos para se pensar a natureza do que chamamos ambiente, as três artistas presentes nessa exposição fundam um pequeno e necessário intervalo no nosso cotidiano dispersivo.