Exposição Individual
02 de agosto 2025 a
24 de setembro 2025
Luis Maluf Galeria
Rua Brig. Galvão, 996
Barra Funda, São Paulo, SP
Chão é outra palavra para voo
Deco Adjiman
”
Voltar ao chão, ao peso do corpo, é voltar a si mesmo. Quando os pés tocam o solo, instauramos uma nova relação com o mundo: deixamos de pairar sobre a realidade e passamos a habitá-la. Ao caminhar, o corpo se torna medida do tempo e do espaço. Os pensamentos deslizam, circulam. O espírito não se fixa, ele, enfim, flutua – ou melhor, voa. Nessa travessia tudo transmuta: chão torna-se paisagem; horizonte, pauta; pensamento, palavra. É sobre esse exercício de coleta e deslocamento, seja do espaço ou da escrita, criando a partir disso distintas fabulações, que se estrutura a produção artística de Deco Adjiman.
Transformar o ordinário em sagrado é um dos compromissos de Adjiman com a matéria natural que reúne, assim como com a arte. Pedras, pedaços de troncos e galhos, folhas, terra e outros insumos que nos proporcionam a experiência ambiental do viver na Terra expandem-se no espaço e buscam novos significados em suas mãos. Tornam-se ferramenta, cor, textura e memória para ritualizar o entre, esse espaço que compreende toda a existência – “a coisa não está nem na partida nem na chegada, está na travessia”, já diria Guimarães Rosa (1908-1967). Neste trajeto muitas são as descobertas e encontros, e na obra de Adjiman não é diferente. Dentre elas, a cor alcançada ao moer a terra bruta no pilão, coletada em diferentes estados do Brasil, destaca-se como elemento-chave de seu processo atual. A transitoriedade do território no espaço/tempo acaba ganhando corpo em ideias e debates, gerando composições em que a materialidade da paisagem se converte em linguagem.
A palavra que pontua esta que é a primeira individual do artista na Galeria Luis Maluf, em São Paulo, é antiga companheira de caminhadas do artista. A paixão pela literatura e a troca profunda com o espectador alimentam sua produção, como é possível ver em “Dose de doze”, instalação inédita inserida no primeiro salão da galeria, composta por garrafas, madeira, papel e cordas diversas, entre elas muitas coletadas no mar e em portos atravessados pelo artista. As doses literárias, encapsuladas nos vidros, e que poderiam ter viajado pelos mares como mensagens a serem entregues a alguém em algum lugar distante, são
trechos e resumos feitos e escolhidos por Adjiman de doze livros enviados por conhecidos que, como ele, nutrem uma próxima relação com a escrita. O alfabeto e o gesto que nos é tão recorrente do lápis no papel surgem em diversos trabalhos ao longo do espaço, mesmo na ausência concreta da palavra – como se pudéssemos ler as histórias inscritas nas matérias-primas naturais com as quais as peças foram criadas.
Entre outras tantas produções preparadas especialmente para esta mostra está “Ascensão”, escultura recém-produzida em uma residência feita por Adjiman no Parque Nacional do Itatiaia, divisa entre os estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais, na Serra da Mantiqueira. A obra é como uma paisagem desconstruída. Traz em si cordas tingidas cada qual pela terra de uma das quatro montanhas escaladas pelo artista na região. Os longos fios de algodão possuem as medidas das circunferências dos cumes, como em um abraço laçado. Os troncos, de alturas que fazem referência às das próprias montanhas, apoiam-se na paisagem entalhada na madeira, que recria a linha de elevações de tais formações rochosas, entre elas a do Pico das Agulhas Negras, o quinto mais alto do Brasil.
Além de local de coleta e destino, o topo das montanhas também é onde o chão encontra o céu e os tantos possíveis voos da mente. Nesse mundo que se desdobra abaixo de nossos olhos se apresenta um imenso organismo vivo no qual tudo está conectado. Foi tal epifania que teve o naturalista Alexander von Humboldt (1769-1859) ao escalar em 1802 a montanha de Chimborazo, nos Andes, até então tida como a mais alta do mundo. No retorno, Humboldt desenhou seu famoso “Naturgemälde”, que revolucionou o entendimento da natureza que temos até os dias de hoje, dando-nos a noção atual de Ecologia. É esse mesmo instigante e natural caminho que segue Deco Adjiman. Uma busca pela beleza do caminho e pela potência de quem está sempre em movimento a fim de conectar-se à terra.” curadora
— Ana Carolina Ralston
