Marina Sader

Como construir um castelo?

16 de março a
25 de abril de 2023

Galeria Luis Maluf
Peixoto Gomide, 1887

Como construir um castelo?

O arquiteto italiano Renzo Piano, conhecido por projetar centros culturais, publicou um tutorial sobre como construir um castelo de areia perfeito no The Guardian em 2015. Nesse texto, considerou o castelo de areia o primeiro projeto de sua carreira – apesar de sua efemeridade. A sua essência está na relação com o mar, por isso é necessário estudar as ondas para posicioná-lo adequadamente. Já para a elaboração de um castelo de cartas, a paciência é um fator determinante. Uma pesquisa da internet (em um site ironicamente chamado TempoLivre) destaca que o equilíbrio entre as peças só pode ser alcançado com o atrito dos materiais: as cartas de papel colocadas em uma superfície forrada. Ambos os casos precisam de estratégia para sua implantação.

Aos seis anos de idade, Marina Sader tentou construir um castelo usando cartas de um baralho; organizou-as em diagonais e horizontais para estabelecer padrões arquitetônicos repetidos. Entretanto, ao chegar ao terceiro andar, seu castelo desmoronou. Desde muito cedo, com a queda de seu castelo de cartas, a artista passou a entender como atua o invisível. Do vento, tirou sua persistência e outras lições de vida:

“Quando criança, eu pegava um punhado de florzinhas e abençoava as pessoas dando um sopro nelas, fazendo o papel do vento. Tenho me intrigado muito com o vento inclusive, a coisa invisível que é assimilada por todos como real (porque de fato é), mas acho intrigante como, apesar de não enxergar o vento, posso senti-lo e acompanhá-lo em seu ir e vir. O vento é a prova de que a terra constantemente busca seu incansável equilíbrio, tentando preencher todos os vazios e equilibrando os restos deixados…”

Como resposta a essa força incontrolável, Marina desenvolve o hábito da escrita ao longo da quarentena ao refugiar-se em sua fortaleza – a toca da coruja – em Campo Limpo Paulista. Lá, tem a oportunidade de experienciar a solidão e rememorar os afetos antigos entrelaçados à novas perspectivas. No mesmo período,  enterra seu coelho de estimação, Shapiro, representante de sua primeira responsabilidade de cuidado. Em outro momento, nota a família de corujas no terreno ao lado e observa como elas protegem seu ninho. Ao sentar-se nas cadeiras, lembra-se de sua avó, casada com um revendedor de móveis da Herman Miller.

No fim do período de isolamento, a família da artista discute demolir e reconfigurar a casa. Marina se agarra ao desejo de preservar seu escape da realidade e forma uma iconografia pessoal, decide então, pintar os seus tesouros: o coelho Shapiro, as corujas guardiãs do terreno, as toalhas e móveis estampados, os talheres e copos esquecidos por familiares. Desta vez, seu castelo de cartas não cai – ela passou a desenvolver, ao longo dos anos, estratégias para realizar esse tipo de construção.

O processo de amadurecimento pessoal e artístico de Marina Sader se relaciona diretamente com a narrativa da exposição. A tenda, primeira obra instalativa da artista, remete a um espaço seguro, casulo sem pontas nem pontuações. O tecido de algodão, material também usado nas telas das pinturas, acolhe o transeunte para dentro do espaço. Em seguida, a luminária, como um farol mágico, deslumbra os olhos do visitante que, até então, estavam protegidos das reflexões e dúvidas frente às dores do crescer. Após essa experiência sensorial, chega-se à figuração, etapa em que os objetos e personagens começam a ganhar significado como uma espécie de alfabetização visual. Essas pinturas, inicialmente de cores vibrantes, vão se modificando e adquirindo tons desbotados, para demonstrar as mudanças de perspectiva da artista possibilitadas pela passagem das estações. Portanto, “Como construir um castelo?” é o registro do seu refúgio e o rompimento com sua infância.

Marina Schiesari

Podcast – Conversa com a artista – 15/04