Antonio Bokel
Euclides ao Revés
24 de junho a
12 de agosto de 2023
Usina Luis Maluf
Brigadeiro Galvão, 996
Euclides ao Revés
“Em uma das pinturas trazidas por Antonio Bokel para essa exposição, tem-se dois círculos pretos com as mesmas dimensões, aplicados sobre um fundo branco, dispostos um ao lado do outro, cuidadosamente emoldurados em madeira, sublinhando os limites do trabalho. Realizado em tinta acrílica num campo de 1 x 2 metros, discretamente dividido em dois –trata-se de um díptico- os círculos estão rigorosamente situados em relação ao meio da tela e às suas extremidades superiores, inferiores e laterais. Tudo nessa pintura levaria a ideia de rigor, para isso o artista lida com a mesma figura geométrica simples, enunciando-as com clareza. Mas não é bem isso o que acontece. Sua metade esquerda, e com ela o círculo esquerdo, foi subdividido, e a parte intermediária, a terça parte da pintura como um todo, atacada por uma força ascensional, foi ligeiramente jogada para cima, desmontando e deslocando o círculo, produzindo dois semicírculos e desalinhando-a do resto. O desnivelamento não é feito de qualquer modo, mas com exatidão: a ponta superior do semicírculo suspendido termina exatamente na moldura de madeira remanescente, enquanto a ponta inferior do semicírculo da esquerda, principia no pedaço levantado da moldura de madeira.
Em uma outra pintura de fundo bege, onde um retângulo preto encaixado diagonalmente numa tela de 1,5 x 2 metros, quase apoiado em um círculo preto encostado no limite inferior da pintura e que está escapando pela lateral direita, recebe o ataque direto de dois triângulos brancos. O maior, arranjado no eixo da pintura, é obtido por um recorte literal feito na pintura, que incorpora a parede fazendo-a invadir e atravessar o retângulo preto até atingir seu ponto médio. Por sua vez, os dois vértices pontiagudos do triângulo menor afrontam o limite esquerdo da tela e o retângulo preto, respectivamente.
Essas duas telas bastariam para demonstrar a segurança com que Bokel lida com os limites da pintura, uma trilha que no nosso país foi mais explicitamente aberta por artistas como Volpi, Lygia Clark, e que ele explora incorporando e ampliando lições deixadas pelos norte-americanos da Hard Edge e os franceses do Supports-Surfaces, decisivos na ruptura do formato quadrangular da pintura, no pensamento da moldura como parte da pintura, entre outros pontos. Nosso artista tem um notável domínio da plasticidade de figuras geométricas elementares, e por meio de operações como recortes, rebatimentos, sobreposições, combinações assimétricas, vai demonstrando tanto em pintura quanto em escultura como todas estão implicadas umas nas outras.
Mas há mais do que isso. Parte dos trabalhos recentes de Antonio Bokel, escolhidos para compor essa exposição, leva a pensar em como seu desejo de rigor e precisão alimenta-se do erro e do desvio calculado, termos diferentes entre si. O artista opera sistematicamente com o desvio, a falha e o desastre. À lógica insofismável da geometria, à segurança e previsibilidade que ela propõe, ele opõe sobressaltos e sombras. O artista adiciona problemas variados em suas pinturas e esculturas, como a contraposição entre formas nítidas e borrões, entre formas produzidas com o auxílio de régua e compasso e manchas resultantes do extravasamento do gesto, desobrigado de elaborar construções, entre produtos da indústria e produtos que resultam de manufatura. Em suma, em seus trabalhos é recorrente a convivência entre vetores divergentes, como os de natureza impulsiva ou de matriz vernacular, tradicional, e outro alinhado à racionalidade.
A tensão entre termos contrários aprofunda-se em outras séries, como as constituídas por pedaços toscos de madeiras encontradas e juntadas em composições assimétricas, recobertos por cores e figuras geométricas que não encobrem a matéria que lhes servem de suporte. Digno de menção a fenda aberta por uma pedra num bloco de madeira pintada de branco com um círculo preto, uma lembrança da natureza interferindo incisivamente nos propósitos humanos.
Babel, escultura de 2 metros de altura, que Bokel realizou em 2015, 5 blocos de cimento irregularmente empilhados em razão das mãos forjadas em bronze em que estão escorados, realça um dos compromissos do artista com o tempo presente, qual seja o intervalo abissal existente entre o que se deseja e sua realização efetiva, entre as edificações gigantescas e reluzentes que arrogantemente pretendem se impor aos horizontes das metrópoles, e o lixo, as lutas e as contradições que, cá embaixo, ameaçam e efetivamente as vão destruindo.”
Agnaldo Farias
Curador da Exposição
Sobre o artista
Antonio Bokel
Antonio é artista visual e formado em design gráfico. O artista apresenta obras trabalhadas no cruzamento da arte e da vida urbana, da qual traz suas referências e cria seu universo simbólico. Com uma capacidade de improvisação poética, Antonio trabalha os mais variados materiais e suportes, dispondo de obras em diferentes linguagens.
Apesar de trazer a pintura como ponto forte de sua criação, o Antonio Bokel apresenta trabalhos em fotografias, além de esculturas e instalações. Suas obras evocam uma reflexão sobre o espaço enquanto equilibram diferentes cores, formas e volumes. Trazem referências como a vanguarda da arte contemporânea, art-pop e elementos da cultura popular. E composição, símbolos são desconstruídos e reestruturados, criando a matéria do seu repensar o espaço e a vida urbana.
O artista apresenta seu trabalho pelo Brasil e exterior em exposições individuais e coletivas. Suas obras já passaram por países como Holanda, Portugal e República Dominicana e algumas delas estão no acervo do MAM (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro) e do MAR (Museu de Arte do Rio).