O Jardim

Tudo começou em um sonho. Caminhando descalça por um jardim, entre flores que desabrochavam silenciosamente, pôde ver as águas que desciam calmamente desde sua nascente. O ar puro que a envolvia quase conseguia curar a alma. Assim, rodeada por esta magnitude, seguia seus passos atravessando a paisagem idílica que se desdobrava em sua frente. Desperta e com a cena clara em sua memória, a artista plástica paulista Shizue Sakamoto buscou as cores que a acompanharam por estes segundos dilatados em sua mente. E, assim, encontrou o impressionismo de mestres do século XIX, em especial as pinceladas de Pierre-Auguste Renoir (1841-1919).

As cores da cena criada pela mente da pintora eram vigorosas, quase como se estivessem vivas, porém unidas também por tons mais amenos, talvez etéreos, em uma dança esplêndida que nos confronta por sua delicadeza e que busca, em suma, o equilíbrio de tudo. Com este pensamento ainda lúcido, Shizue Sakamoto debruçou-se em sua própria pasta de referências, na qual guarda cada estudo que tão logo possa, se transformará em uma pintura. Imersa em tal paleta, encontrou uma a uma as cores deste jardim, assim como fez Renoir em um de seus clássicos, pincelado em 1875, durante a Belle Époque.

Shizue Sakamoto, que integra agora o núcleo de artistas da Galeria Luis Maluf, idealizou para a Usina LM este ambiente de sonhos, no qual espectadores caminham por entre tais tons e podem, desta forma, serem capturados pela mesma sensação pura e livre que outrora ela própria pode experienciar. A presença humana, assim como acontece nas cenas retratadas pelo mestre francês em suas paisagens, estão ali. No entanto, diferentemente de Renoir, Shizue nos proporciona esta função. Coloca o visitante no papel protagonista de recriar tal ação. Somos parte deste espaço.

Cada pintura disposta no espaço tem o papel de se tornar uma pincelada na grande tela criada por ela na sala expositiva. Em certos pontos, a obra nos remete a uma flor, com seu núcleo expandido, dando-nos a dimensão das infinitas tonalidades que a natureza pode criar. Em outros, nos possibilita ver a gama de azuis da água e do céu, assim como as tantas cores que compõem a própria luz. Desta forma, como ondas cromáticas, a paisagem se cria diante dos nossos olhos.

No andar superior, é possível ver alguns dos estudos eleitos por Shizue. Expostos cuidadosamente em uma mesa de vidro, eles nos levam ao momento primordial da criação, no qual é revelado referências para a produção de um corpo inteiro e pulsante.

Ana Carolina Ralston
Curadora