Na década de 1920, o então Governador de São Paulo, Washington Luís, diria uma frase que alguns anos depois se tornaria famosa: “governar é abrir estradas”. Já na década de 1950, Juscelino Kubitschek adotaria este lema como justificativa para o chamado Rodoviarismo, implementando uma política de atração das indústrias automobilísticas estrangeiras atrelada à ideia de progresso do país.

A partir daí, o transporte rodoviário tornou-se o principal meio de circulação de insumos e mercadorias, transformando nãosomente a economia do Brasil, mas também gerando a profissãode caminhoneiro, trabalhador incansável e indispensável dasociedade industrial, que dentro da boleia de seu caminhãopercorre as estradas transportando toda sorte de produtos que avida moderna produz e consome.

Sobre-Carga é uma reverência à cultura do caminhoneiro brasileiro, que ao longo de anos desenvolveu sua iconografia característica, uma espécie de manifesto estético-existencial, no qual a artevernacular deste “mito andante” ganha definitivamente seu lugar enquanto obra de arte.

O interesse de Nevs teve início com a técnica da pintura decaligrafia. Associando letra, ornamentação e ilustração, seus trabalhos passaram a ter forte inspiração nas pinturas das carrocerias de caminhão. O que também viria à tona seria uma influência intimamente ligada à memória afetiva e visual de sua infância — o convívio com o pai caminhoneiro apenas até os 6 anos de idade.

Historicamente, a pintura de carroceria, aquela feita com pincel, tende a perder espaço ao longo do tempo por uma série de fatores como o avanço da tecnologia e dos meios de comunicação. O design vernacular conhecido popularmente por “caminhão do vovô” abre caminhos para o contemporâneo, com a pintura de stencil, o uso de adesivos e do painel de led. Ainda assim, os caminhões continuam circulando por aí com toda sua parafernália decorativa e um repertório inesgotável de ditos populares e mensagens diversas que pronunciam o cotidiano; falam sobre a fé, a mulher, o amor, a vida no caminhão… São bem humoradas, sarcásticas, verdadeiros desabafos, que criaram uma filosofia e linguagem própria, incontornável, representativa da importância da cultura e da figura humana do caminhoneiro brasileiro.

Com uma prática virtuosa de técnicas de pintura e ampla pesquisa iconográfica, Thiago Nevs reinventa os elementos da pinturaclássica de carroceria, como a reorganização de filetes, vinhetas e caligrafia, e vai além, criando obras escultóricas com buzinas, lanternas e apetrechos característicos; utiliza-se das amarrações com cordas, placas e das lonas, dos símbolos heráldicos e das paisagens bucólicas; como em uma viagem no tempo, de ontem até os dias de hoje, escolhe preservar e perpetuar este patrimônio cultural através de suas obras.

Texto Curatorial por Cammila Ferreira